Coisas, memórias e afetos Às vezes, dizem alguns críticos, devemos separar a vida do artista da sua obra. No caso de Carmen Fortes, tal separação não existe, pois suas telas escancaram seu universo particular. A artista nos conta sua história através das coisas. O antropólogo Daniel Miller diz que “a melhor maneira de entender, transmitir e apreciar nossa humanidade é dar atenção à nossa materialidade fundamental”. Tal é o grande tema da pintura de Carmen Fortes: a natureza-viva dos objetos que nos constituem, emanam histórias e carregam significados. As representações nas telas remetem às suas memórias e ao seu processo de tornar-se mulher, artista e mãe através de uma sofisticada – e por vezes surrealista - relação com os objetos. Carmen Fortes tem no tema da memória um dos eixos da sua poética. Suas telas são repletas de objetos carregados de afeto, como na toalha rendada em Dentro e Fora. Aqui o universo da artista esbarra na mulher. O espaço pictórico das telas é quase sufocante. Denso, saturado. Tal qual o dia-a-dia, repleto de tarefas, listas intermináveis, demandas sem fim, o que realmente foi intensificado com a necessidade de confinamento durante a pandemia. Com seu forte apelo às histórias e atenção ao prosaico, a pintura de Carmen Fortes exige algo cada vez mais raro nos dias atuais: tempo. Num mundo que nos impõe tanta produtividade e racionalidade, falta tempo para o deleite da anarquia, do caos e para saborear o non-sense, como na imagem de uma vaca dentro da sala (Dentro e Fora). Os opostos aqui se misturam, as dicotomias se desfazem. O externo é interno, o passado é presente. Não se se sabe onde começa a realidade e termina o delírio. Estamos nas coisas, assim com as coisas estão em nós. Não se se sabe onde começa a realidade e termina o delírio. Estamos nas coisas, assim com as coisas estão em nós.

Texto adaptado de Amélia Siegel( 2021)